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As contribuições do esporte para o desenvolvimento dos alunos

Em ano de Copa do Mundo, em que o futebol ganha grande destaque no cotidiano dos alunos, é oportuno refletir sobre a relação entre práticas esportivas e educação.

Quem trata do assunto é Fabio Eon, coordenador do setor de Ciências Humanas e Sociais da Unesco no Brasil.
Em entrevista exclusiva, o especialista explica como as atividades físicas favorecem a socialização e a formação de valores e habilidades, e indica o papel da escola e da família na promoção do esporte entre crianças e adolescentes.

Esporte e atividade física: importantes práticas socioeducacionais

Publicado em: 10/03/2014 - por Cássia Gomes Guimarães
O esporte está cada vez mais presente na sociedade. A prática esportiva e de atividade física é fundamental para o desenvolvimento social e individual de qualquer ser humano.
Na entrevista a seguir, Fábio Eon, coordenador-adjunto do setor de Ciências Humanas e Sociais do escritório da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil, esclarece o potencial socioeducacional dessas práticas e suas contribuições para a formação de diversas habilidades físicas e intelectuais, e como importantes instrumentos de interação social.
Confira e entrevista completa!

Qual é a importância social do esporte? 
O esporte é um mecanismo que permite a autodescoberta, o aumento da autoconfiança e autoestima, mas também é um meio poderoso para amobilização ao reunir pessoas de diferentes crenças, culturas ou origens étnico-raciais. As competições esportivas nacionais e internacionais, além do entretenimento, reforçam a construção da identidade cultural e dosentimento de pertencimento dos povos.

Que importância a Unesco atribui às atividades de educação física e ao esporte?
A Unesco sempre trabalhou o esporte e a educação física como instrumentos importantes para a formação de valores e a socialização.
A educação física e o esporte, ministrados por sistemas tanto formais quanto não formais de ensino, possibilitam o aprendizado de regras mínimas de convivência, além do respeito ao próximo. São práticas que levam a estilos mais sustentáveis e saudáveis de vida e, consequentemente, à diminuição na sobrecarga e na demanda por serviços públicos de saúde.
A Unesco, além de elaborar ações normativas internacionais para essa área – tais como a Carta Internacional da Educação Física e do Esporte (1978) e a Convenção contra o Doping no Esporte (2005) – – tem procurado apoiar os países que compõem a Organização com projetos e ações concretas voltadas à universalização da prática esportiva, sempre com foco na construção da cultura de paz e no combate à discriminação de gênero em seus projetos.

De que maneira a prática de esporte na escola contribui para a formação do aluno? Que habilidades são desenvolvidas? 
A educação física e o esporte, como dimensões essenciais da educação e da cultura, devem desenvolver habilidades, força de vontade e autodisciplinaem todos os seres humanos, como membros plenamente integrados à sociedade. A continuidade da atividade física e a prática de esportes devem ser asseguradas por toda a vida, por meio de uma educação ao longo da vida, integral e democrática.
No âmbito individual, a educação e o esporte contribuem para a manutenção da boa saúde e proporciona uma atividade saudável de lazer. No âmbito da comunidade, eles enriquecem as relações sociais e desenvolvem o jogo limpo (fair play), que é essencial não apenas para o esporte em si, mas também para a vida em sociedade.
Qual deve ser o envolvimento da família na prática esportiva de crianças e jovens?
A família deve entender que a prática esportiva é um complemento importante na educação de seus filhos, e não apenas uma diversão ou algo que tire o foco dos estudos ditos formais. A máxima latina Mens sana in corpore sano(“Mente sã em corpo sadio”) aplica-se aqui.
A família deve apoiar a prática do esporte não apenas para estimular estilos de vida mais saudáveis, mas também porque se trata de instrumento importante de socializaçãoformação de valores e indutor de regras de convivência para crianças e adolescentes. As lições aprendidas e os laços de amizade estabelecidos no esporte podem ser levados para a vida toda.


A Unesco propõe alguma modalidade esportiva  como a mais adequada para a formação de valores e habilidades da criança em séries iniciais? Existe alguma modalidade apropriada para a adolescência?
Não. A Unesco não deve se manifestar a favor de determinada prática esportiva em detrimento de outra. Na visão da Unesco, todo esporte ou atividade física são válidos, obviamente respeitando-se os limites e asnecessidades de cada criança ou adolescente. Cada caso é um caso. Cabe ao indivíduo, no processo de descoberta do esporte – e, se possível, com o apoio de profissionais de Educação Física –, encontrar a modalidade que mais lhe dá prazer e com a qual se identifica. A prática esportiva deve ser prazerosa e contribuir para o crescimento da criança.

As instituições de ensino brasileiras estão avançando em práticas inclusivas no esporte para os deficientes físicos e intelectuais?
Sim, mas ainda falta muito para chegarmos ao desejável. A Convenção da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (2005), documento ratificado pelo Brasil, estabelece em seu artigo 30.º como obrigação do Estado "assegurar que as crianças com deficiência possam, em igualdade de condições com as demais crianças, participar de jogos e atividades recreativas, esportivas e de lazer, inclusive no sistema escolar".
Se ainda é um desafio para as escolas trabalhar o tema da educação inclusiva e assegurar igualdade de oportunidades a todos em sala de aula, imagine em quadra ou na prática da educação física.
A atividade física tem ajudado pessoas com deficiência não só a adquirirem maior mobilidade, mas também a resgatar a sua autoestima e o seuequilíbrio emocional. Mesmo deficientes físicos com mobilidade reduzida podem praticar esportes – obviamente sob a tutela de profissionais qualificados e habilitados.

Em sua opinião, qual é o papel dos educadores na construção de uma escola inclusiva com atividades voltadas ao esporte?
É um papel fundamental, pois envolve, de certa maneira, algum grau de vontade política dos gestores escolares. Uma escola inclusiva que ofereça práticas de esporte e educação física requer pessoal qualificado e algunsequipamentos e instalações adequados.
O documento mais importante sobre Educação Física produzido pela ONU, aCarta Internacional da Educação Física e Esporte da Unesco (1978), reforça a importância de o ensino, o treinamento e a gestão da Educação Física e do esporte serem realizados por pessoal qualificado. Infelizmente, muitas vezes isso raramente se verifica em escolas brasileiras. Além disso, frequentemente a inexistência de bens e equipamentos esportivos é entendida como impedimento para a prática desportiva. Segundo dados do Censo Escolar de 2009, divulgados pelo MEC (Ministério da Educação), apenas 31% das unidades de Ensino Fundamental têm esses equipamentos. Além disso, na maioria das vezes, parcela considerável dessas instituições sofre com más condições de conservação – por exemplo, quadras com piso rachado ou falta de materiais, como tabelas, redes e gols. A inexistência de quadra ou de equipamento escolar voltado à prática esportiva não deve ser vista, no entanto, como impedimento para aulas de Educação Física. É sempre possível pensar em atividades, formais ou informais, voltadas à realidade e às carências da escola. 
A Unesco destaca em suas pesquisas o potencial do esporte no combate à violência. Qual é a intervenção do esporte na promoção da "cultura da paz"? 
Certamente, não há melhor instrumento para a construção do ideário de cultura de paz do que o esporte. A princípio, em esportes coletivos, todos competem em igualdade de condição. Em quadra ou em campo, as regras valem para todos, e esse conjunto de condições propicia uma oportunidade única para trabalhar em equipe, superar as diferenças e respeitar o outro. O esporte é uma importante ferramenta para promover o diálogo, bem como os sentimentos de identidade nacional e cooperação. A prática esportiva reforça valores virtuosos, como o jogo limpo, o coleguismo e o espírito de equipe.
Do mesmo modo, o Manifesto Mundial da Educação Física (2000) reforça o vínculo entre esporte e cultura de paz:  
"a Educação Física deve contribuir para a Cultura da Paz, ao ser usada no sentido de uma sociedade pacífica de preservação da dignidade humana, através de iniciativas de aproximação das pessoas e dos povos, com programas que promovam cooperações e intercâmbios nacionais e internacionais". (FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA - FIEP.Manifesto Mundial da Educação Física

Em sua opinião, o esporte é compreendido como um direito humano? 
Carta internacional da Educação Física e desportos (1978) reforça esse entendimento no item 1.1 de seu artigo 1.º: 
"todo ser humano tem o direito fundamental de acesso à educação física e ao esporte, essenciais para o pleno desenvolvimento da sua personalidade. A liberdade de desenvolver aptidões físicas, intelectuais e morais, por meio da educação física e do esporte, deve ser garantida dentro do sistema educacional, assim como em outros aspectos da vida social". (UNESCO.Carta internacional da Educação Física e do esporte da Unesco, 21 nov. 1978.
Do mesmo modo, o conjunto de legislações nacionais e internacionais vigentes consagra os direitos econômicos, sociais e culturais como direitos imprescindíveis à dignidade humana, que promovem o bem-estar e desenvolvem as habilidades do indivíduo e da coletividade.
À luz dessa perspectiva, o esporte e o lazer são entendidos como direitos sociais assentados nos direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade. No Brasil, isso é corroborado pelo nosso marco jurídico. A Constituição Federal diz em seu artigo 6.º: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados". Tal entendimento, mas com foco na infância, também é reforçado pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que, no seu artigo 4.º. lembra:
"É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária".

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